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BLOG IARA LEÃO

"Moço, quando eu crescer, eu quero ser turista"

Comecei a quinta-feira lendo essa matéria que me fez engolir seco e encher os olhos d’água.

Vale a pena ler o olhar do repórter Ruben Berta, que conta sobre as ambições de uma criança que vende balas em Fortaleza.

jornal-OGlobo

“De frente para o hotel das seleções, funciona uma lanchonete movimentada, de uma famosa rede. Neymar se aproxima e entra com sua caixinha de balas. O segurança o levanta pelo pescoço, quase como se o tivesse estrangulando. E diz:

— Já é a terceira vez que você entra aqui e eu falei que não é mais para entrar!

A cena do brutamontes levantando a criança pelo pescoço me chama a atenção. Neymar não chora, mas fica com os olhos vermelhos, cheios de lágrimas, e, como um menino de 8 anos que é, corre para a mãe. Revoltada, ela mostra a marca no pescoço do garoto, primeiro para o próprio segurança, depois para três policiais militares parados, na escolta de um ônibus de uma delegação. Um deles diz:

— Dê parte na delegacia.

Já são quase 22h e, depois do episódio, a mãe vai com as duas crianças para o ponto de ônibus. Eu me aproximo, digo que sou repórter, inicio uma conversa. Em questão de segundos, a mãe começa a chorar:

— Dói muito quando alguém bate num filho meu. Eu não tolero que encostem a mão num filho meu.

Os três entram no ônibus, mas digo que voltarei ali naquele local de novo para tentar revê-los. De dentro do ônibus, Neymar me dá tchau com um aceno e com um largo sorriso. Desta vez, sou eu que choro.

Na segunda-feira, dia de vitória do Brasil com dois gols do Neymar da Seleção, volto para o mesmo local, mais ou menos na mesma hora. Ando, ando, mas não os encontro. Na terça então, eis que numa ronda despreocupada pela Beira Mar, avisto a menina de 11 anos. Grito para ela. E ela avisa para a mãe, que desta vez está com outra menina no colo.

— Essa tem 11 meses. Hoje não tive como pagar os 10 reais que pago onde eu moro para ficarem com ela. Então, está aqui comigo.

Mas e o menino Neymar, onde está? São alguns minutos gritando por ele, sem sucesso, até que a irmã o acha e ele aparece. Ganho um aperto de mão e uma cara feliz. E como você está, menino?

— Ah, ontem eu fiquei doente, mas hoje estou bem já.

Ao reencontrar aquela família, as perguntas que ficaram na minha cabeça poderiam ser milhões. Mas na hora a primeira que me veio foi para o menino. E uma pergunta óbvia:

— Ei, mas me fala, cara, o que você quer ser quando crescer?

Ele me responde de forma genial:

— Moço, quando eu crescer, eu quero ser turista. É, turista. Gringo. Quem é turista vive muito bem, não vive? E sabe falar inglês também, não sabe?

Se, no dia em que nos conhecemos, ele tinha me feito chorar, ali me fez rir. Apesar de estar na escola (peço a ele que me diga o nome para que eu tenha certeza), Neymar admite que sabe ler, assim mais ou menos, diz ele gesticulando com as mãos. Ele queria saber falar inglês, porque assim conseguiria vender melhor.

— Os gringos só dizem para mim “no entendo”. Não vendo nada para eles quase — diz o menino que exibe num dos pulsos uma pulseira laranja que ganhou de um holandês: — É da Colômbia — completa ele, com toda a sua ingenuidade.

A mãe do menino tem uma história que parece se repetir não só por Fortaleza, mas por todo o país. Cria só com a ajuda da mãe as três crianças. Conta que já morou na rua por dois anos, mas teve que sair “porque estava muito perigoso”. Agora, aluga um cômodo numa periferia da cidade por 250 reais por mês, mas já admite que não poderá ficar por mais tempo.

— Cortaram a luz porque não tive como pagar mais de dois meses. Acho que a minha saída vai ser um abrigo da prefeitura, mas é ruim porque fica longe da escola das crianças — diz ela.

Faço outra pergunta óbvia, mas que é a que pode povoar a cabeça do leitor: você traz as suas crianças para orla e seu filho vende balas. Você não está explorando ele?

— Eu sei que as pessoas podem pensar assim. Podem pensar que eu sou uma vagabunda, como já me disseram um dia. Mas é muito difícil arrumar um emprego. Meu filho não se importa de vender não, ele diz que eu sou uma guerreira e que um dia vai comprar uma casa para mim. Mas minha filha não vende não. Tem vergonha. Ainda mais quando amiguinhos dela da escola me veem na rua vendendo balas. Ela tem vergonha de mim — diz a mãe, já com os olhos marejados.

Já são quase 22h de novo e está na hora de eles tomarem os dois ônibus para voltarem para casa. Ao ouvir a mãe falar sobre vergonha dela, a menina balança a cabeça negativamente, mas não fala nada. O menino não titubeia.

— Vergonha nada. A gente vai morar um dia ali, naquele lugar lá no alto! Bem bonito!

A frase ele diz olhando para o hotel onde minutos atrás a seleção da Costa do Marfim, mesmo eliminada, havia sido bastante assediada por turistas e moradores locais, enquanto chegava após o jogo perdido para a Grécia, na Arena Castelão. Vou embora no próximo dia 6 de julho de Fortaleza. Tentarei reencontrar com aquele menino que, em tão pouco tempo, vi sorrir e vi chorar, que me fez sorrir, e me fez chorar. Por enquanto, sua última frase pra mim foi:

— Vou ser turista! — garantiu ele, ainda olhando para o alto do prédio do hotel.

De frente para o hotel das seleções, funciona uma lanchonete movimentada, de uma famosa rede. Neymar se aproxima e entra com sua caixinha de balas. O segurança o levanta pelo pescoço, quase como se o tivesse estrangulando. E diz:

— Já é a terceira vez que você entra aqui e eu falei que não é mais para entrar!

A cena do brutamontes levantando a criança pelo pescoço me chama a atenção. Neymar não chora, mas fica com os olhos vermelhos, cheios de lágrimas, e, como um menino de 8 anos que é, corre para a mãe. Revoltada, ela mostra a marca no pescoço do garoto, primeiro para o próprio segurança, depois para três policiais militares parados, na escolta de um ônibus de uma delegação. Um deles diz:

— Dê parte na delegacia.

Já são quase 22h e, depois do episódio, a mãe vai com as duas crianças para o ponto de ônibus. Eu me aproximo, digo que sou repórter, inicio uma conversa. Em questão de segundos, a mãe começa a chorar:

— Dói muito quando alguém bate num filho meu. Eu não tolero que encostem a mão num filho meu.

Os três entram no ônibus, mas digo que voltarei ali naquele local de novo para tentar revê-los. De dentro do ônibus, Neymar me dá tchau com um aceno e com um largo sorriso. Desta vez, sou eu que choro.

Na segunda-feira, dia de vitória do Brasil com dois gols do Neymar da Seleção, volto para o mesmo local, mais ou menos na mesma hora. Ando, ando, mas não os encontro. Na terça então, eis que numa ronda despreocupada pela Beira Mar, avisto a menina de 11 anos. Grito para ela. E ela avisa para a mãe, que desta vez está com outra menina no colo.

— Essa tem 11 meses. Hoje não tive como pagar os 10 reais que pago onde eu moro para ficarem com ela. Então, está aqui comigo.

Mas e o menino Neymar, onde está? São alguns minutos gritando por ele, sem sucesso, até que a irmã o acha e ele aparece. Ganho um aperto de mão e uma cara feliz. E como você está, menino?

— Ah, ontem eu fiquei doente, mas hoje estou bem já.

Ao reencontrar aquela família, as perguntas que ficaram na minha cabeça poderiam ser milhões. Mas na hora a primeira que me veio foi para o menino. E uma pergunta óbvia:

— Ei, mas me fala, cara, o que você quer ser quando crescer?

Ele me responde de forma genial:

— Moço, quando eu crescer, eu quero ser turista. É, turista. Gringo. Quem é turista vive muito bem, não vive? E sabe falar inglês também, não sabe?

Se, no dia em que nos conhecemos, ele tinha me feito chorar, ali me fez rir. Apesar de estar na escola (peço a ele que me diga o nome para que eu tenha certeza), Neymar admite que sabe ler, assim mais ou menos, diz ele gesticulando com as mãos. Ele queria saber falar inglês, porque assim conseguiria vender melhor.

— Os gringos só dizem para mim “no entendo”. Não vendo nada para eles quase — diz o menino que exibe num dos pulsos uma pulseira laranja que ganhou de um holandês: — É da Colômbia — completa ele, com toda a sua ingenuidade.

A mãe do menino tem uma história que parece se repetir não só por Fortaleza, mas por todo o país. Cria só com a ajuda da mãe as três crianças. Conta que já morou na rua por dois anos, mas teve que sair “porque estava muito perigoso”. Agora, aluga um cômodo numa periferia da cidade por 250 reais por mês, mas já admite que não poderá ficar por mais tempo.

— Cortaram a luz porque não tive como pagar mais de dois meses. Acho que a minha saída vai ser um abrigo da prefeitura, mas é ruim porque fica longe da escola das crianças — diz ela.

Faço outra pergunta óbvia, mas que é a que pode povoar a cabeça do leitor: você traz as suas crianças para orla e seu filho vende balas. Você não está explorando ele?

— Eu sei que as pessoas podem pensar assim. Podem pensar que eu sou uma vagabunda, como já me disseram um dia. Mas é muito difícil arrumar um emprego. Meu filho não se importa de vender não, ele diz que eu sou uma guerreira e que um dia vai comprar uma casa para mim. Mas minha filha não vende não. Tem vergonha. Ainda mais quando amiguinhos dela da escola me veem na rua vendendo balas. Ela tem vergonha de mim — diz a mãe, já com os olhos marejados.

Já são quase 22h de novo e está na hora de eles tomarem os dois ônibus para voltarem para casa. Ao ouvir a mãe falar sobre vergonha dela, a menina balança a cabeça negativamente, mas não fala nada. O menino não titubeia.

— Vergonha nada. A gente vai morar um dia ali, naquele lugar lá no alto! Bem bonito!

A frase ele diz olhando para o hotel onde minutos atrás a seleção da Costa do Marfim, mesmo eliminada, havia sido bastante assediada por turistas e moradores locais, enquanto chegava após o jogo perdido para a Grécia, na Arena Castelão. Vou embora no próximo dia 6 de julho de Fortaleza. Tentarei reencontrar com aquele menino que, em tão pouco tempo, vi sorrir e vi chorar, que me fez sorrir, e me fez chorar. Por enquanto, sua última frase pra mim foi:

— Vou ser turista! — garantiu ele, ainda olhando para o alto do prédio do hotel.”

Fonte: Jornal O Globo

 

beijos pensativos,

Iara Leão

 

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